molequedoido


Protegido: encontro com o profeta
Março 11, 2012, 9:50 pm
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Sexta-feira treze!
Fevereiro 22, 2012, 4:47 am
Filed under: contos - ensino médio

Era sexta-feira e fazia um calor dos infernos, véspera de carnaval e ninguém levava mais nada muito à sério. De um jeito ou de outro, não daria para se ficar lá. O Alemão deu a letra e fomos caminhando pelo pátio e os corredores até o muro no final da quadra poliesportiva. Pelo nosso caminho passaram-se inspetores, coordenadores, porém não houve repressão alguma. A escola era pública e ninguém ganhava o suficiente para se preocuparem com alunos dessa espécie. Ou então o governo os acomodava. Sabe-se lá.

Ele conhecia um espaço escondido entre o muro onde poderíamos passar rastejando. Era um buraco que havia se formado entre os tijolos durante uma época de chuvas intensas. Fiquei pensando: que estupidez, bastava antes a gente ter decidido as coisas. De qualquer maneira, já tínhamos nos sujado inteiro de terra.

Subimos correndo a rua da escola e entramos num bar que havia na esquina. (deve existir ainda). Não que houvesse do nosso corpo estar sofrendo de alguma abstinência alcoólica, mas era o fato de termos visto importância em despistar a vigilância.

“Hoje a gente descabela essa porra!”, informou o Capeta, enquanto ia Alemão usar o telefone público.

Na verdade o Capeta, de Capeta mesmo, não tinha nada. Quer dizer, não era do tipo de botar medo nas pessoas. Aliás, acho até que casou. Enfim, foi um dos caras mais tranqüilos que conheci. O que sempre pensava duas vezes antes de fazer qualquer coisa que nossos pais não fossem gostar, embora que sempre acabasse fazendo.

Ficamos então lá, virando algumas doses de cachaça. Era o que tomávamos na época, pelo custo-benefício. Alemão voltou do telefone com uma folha onde havia anotado um número de ramal, andar e apartamento. Combinamos o que iria ser daquela noite e saímos caminhando pela avenida, pegamos vodka num mercado e dividimos um terço da garrafa pelo caminho. O restante seria tomado lá.

Chegamos ao tal prédio. Depois de informarmos a portaria e aquela coisa toda, subimos à porta e fomos atendidos pela moça. Não era muito mais velha do que a gente, não. Eles se conheciam e houve uma bonita receptividade, onde uma garrafa de tequila Jose Cuervo reluzia em cima da mesa. Já tinham até os limões devidamente cortados e o pote com sal, assim como aqueles copinhos medidos já com a dose certa (que eu não sei o nome, se é que há um nome), tudo pronto para ser usado. Pensei se deveria ou não me controlar, porém antes de chegar à conclusão pedi licença para me servir de uma dose enquanto o Alemão, como uma criança que fazia arte, tirava do bolso uma capsula e se servia de uma fileira de pó em cima da mesa de vidro.

“Pode sim. É do meu pai, só a gente não acabar com a garrafa”, disse ela

O nirvana sexual (ou seja lá o que fosse aquela porra) reduzido à UMA fileira de pó. Báh!… Claro que NÃO comecei. Fizemos sala.

Devo dizer que, apesar de qualquer coisa, acredito que se deve haver um senso, ser imposto um limite, enfim, na hora de fazer determinadas coisas dependendo das circunstâncias. É o tipo de regra que deveria ser aderida, até para se viver bem e em harmonia. Por exemplo: você não sai por aí gritando que é são paulino no meio da torcida do Corinthians, da mesma maneira que seria burrice você entrar na jaula de um leão que não come há vários dias, ao passo que seria também amadorismo da nossa parte começar um projeto e não terminar. Pois bem. Alemão não mediu ali as conseqüências, e foi fácil entender o que aconteceria dali à frente. À nível de conclusão, quando você só é um adolescente com o dinheiro que o teu pai te deu, o cuidado deve ser redobrado, por incrível que talvez pareça.

Conversa vai conversa vem e fiquei sabendo o nome da garota. (eu havia dito moça, mas tanto faz, na verdade). Tici. Linda abreviação. Percebam que sequer havíamos sido apresentados. Era uma magricela bonita. Vestia preto, lembro-me disso. O rosto bem maquiado… Havia outra coisa que chamara nela a minha atenção: não parava de alisar o cabelo. Sempre quando podia mexia neles, ao intervalo de qualquer coisa. Ela tinha essa espécie de tique nervoso, ou então talvez ela estivesse nervosa com alguma coisa. Enfim… Fiquei tomando a vodka, já que não podia exagerar na tequila. Alemão, com os olhos esbugalhados e num frenesi intenso, dizia e contava sobre um monte de coisas, como, por exemplo, como é que tinha sido cabular a aula daquela sexta-feira. De vez em quando apenas é que me esforçava para falar, quando ouvia qualquer coisa como:

“fala aê, Ado, num foi verdade?!”

E eu respondia: “ééé…”

Então eu pedi licença para ir ao banheiro. Usei a privada do pai dela. Aí eu lavei as mãos, na pia do pai dela. Enxuguei as mãos na toalha que provavelmente a mãe dela havia posto na máquina para lavar. Saí. De volta à sala e lá estava Alemão sentado no tapete com um incenso aceso plantado na orelha e roendo as unhas. Não, ele não só roia as unhas, mas girava a cabeça, quase que num ângulo de trezentos e sessenta, tentando roer algo que poderia ser a cutícula, eu sei lá, porra! Os dois só olhavam. Quer dizer, nós três ficamos olhando. Ninguém entendia o que ele fazia. De repente levantou erguendo a garrafa de vodka como se fosse uma espada ou um troféu e gritou:

“um brinde à vida, caraio!”

Aí a gente brindou, claro. Então, depois de tomar da garrafa, estacionou-a em cima da mesa e soou o nariz na camiseta que vestia. Tirou o incenso da orelha, estacionou no lugar onde deveria ter permanecido e disse:

“eu já volto!”, e saiu tresloucado porta afora.

É claro que não voltaria. Enfim, ninguém entendeu nada. De qualquer maneira, enchi meu copo com a vodka. Fiz o favor de servir o Capeta, assim como a Tici, também.

“cê mandou?”, perguntei

“é. sim”, respondeu o Capeta

“o que deu nele, será?”

“eu não sei, não”

Então ficamos lá, eu e o Capeta, sem entender porra nenhuma.

Pois bem. Tici continuava a mexer nos cabelos. Agora ela estava em frente ao espelho, tentando ajeitar para o lado esquerdo a parte do cabelo que constitui a franja. Raspava os dedos pela testa a fim de deixar a franja fixa para o lado esquerdo, mas eles sempre voltavam. Sobre os ombros escorriam longos fios de cabelos lisos e negros, mas a preocupação dela era com a franja. Bonitos fios de cabelos negros.

“é, bem, ele deve voltar logo!”, disse ela, com os olhos fixos nela mesma frente ao espelho

“é”, respondi

“é”, respondeu o Capeta

Eu estava pouco ligando, na verdade. Tinha vodka, e ainda o horizonte de tomar aquela tequila. Foi justamente enquanto eu pensava isso e olhava a lua pela janela que aconteceu: Tici saiu para a suíte dos pais dizendo que ia tomar banho. Deixou-nos lá, só com a imaginação de como seria ela tomando o tal banho. Como já disse, era uma magricela atraente. Levando em conta, também, que a beleza e a atração estão nos olhos e na alma de quem vê e sente. Capeta, então, se pôs a raciocinar. Percebi. Um sujeito frio, calculista, pensando muito provavelmente no que os pais dele iriam achar caso fizesse aquilo que estava pensando. Deu um gole na bebida, mexeu no queixo e rematou:

“é o seguinte: sem essa de ménage a trois que você já tá bêbado e eu não quero correr nenhum risco, quanto menos esbarrar em coisa errada!”, avisou

Ele tinha razão. Eu já estava enxergando duas luas ao invés de uma.

“pode crer”, concordei, “que tal se a gente tirar no par ou impar?”

Erguemos os braços, ele disse “par” e, eu, “impar”, antes de lançarmos os dedos e… merda, dar par! Ele se animou todo, virou o resto de vodka que havia no copo e seguiu para a suíte dos pais dela. De lá ouvi gritos. Muitos gritos. Gritos que cessaram depois de um tempo.

Fiquei com as minhas duas luas e o resto da garrafa de vodka que ainda não havia acabado. Na verdade, não por muito tempo, pois tive curiosidade em saber se conseguiria ouvir os gemidos através da porta, enfim, pra saber só o que estava acontecendo. Fui até lá e colei os ouvidos na porta do quarto dos pais dela. Consegui ouvir, eram lascivos. Fiquei com tesão. Deu vontade de entrar com o pau na mão rodando feito cata-vento, gritando qualquer tipo de groselha ou o escambau que fosse, mas daí eu conclui que o justo era esperar, porra! Então os gemidos começaram a ficar mais altos, à medida que percebi as investidas tomarem proporções brutais. Curioso, pensei, ela não parece se importar com os vizinhos. De repente, como num súbito, tudo parou. Pensei: já, será? Pois sim, já. E olha que pude constatar que nem sequer ela chegara ao orgasmo.

Voltei à vista da janela, com minhas duas luas. Não tinha o que eu fazer, era só a questão do tempo. Ao menos tinha a vodka. Eis que então surge o Capeta. Veio vindo na minha direção, com a camiseta jogada por sobre os ombros.

“quer um trident?”, ofereceu-me

“nops, valeu!”

“ela disse que quer dar pra você!”, informou

“ah vá?!”, duvidei

“pois é”, confirmou

De qualquer maneira, sempre quando alguém comia uma, era natural depois de uma ou duas semanas a mesma querer dar pro outro na sequencia. Não fazia diferença nenhuma ser naquela mesma noite ou na semana seguinte, embora eu achasse aquilo algo meio anti-higiênico. A buceta tendo sido fodida por não sei quantos outros paus e você fica pensando enquanto mete: que buraco arrombado da porra! Por isso que tanto é importante salientar essa coisa da revolução biomédica, a partir de quando inventaram o preservativo. Quanto à banalização? Ah, que se foda, porra!

Lá fui eu. Ela me aguardava deitada na cama, nua, obviamente. Fui até ela, cheguei bem perto, então eu disse:

“eu sinto muito”

“como assim?”

“eu não vou te comer”

“ué…”

“é, eu não vou… vocês são todas iguais, porra! se aproveitam da gente porque ficamos bêbados, enquanto o pau tá duro vocês gostam aí acontece de nos apaixonarmos ou qualquer tragédia, nos deixam com os navios. onde ficam os sentimentos? pensam que é assim que funciona?!”

Deixei-a sem saída, de modo que não podia dizer nada. Estendi o braço:

“tá vendo isso aqui?”, apontei na dobra onde aparecem as veias, “enxerga essas veias?! por aqui corre sangue azul!”, situei-la

De qualquer maneira, mostrei-lhe o pau e peguei-a pela cabeça, “cansei! pensam que é assim?!”, peguei nos cabelos, aqueles cabelos negros e lisos, junto com aquela franja, “pensam? pensam que é assim?!”, e aquela franja, “é isso o que você quer? han?! é isso o que quer?!”, então encaixei como se fosse um charuto na boca, “toma essa porra!”. A saliva tava quente, e aqueles lindos cabelos negros e lisos, com aquela franja. Caralho, aquela franja. Passei a mão pela franja. Ela começou a engasgar e a baba vazar pelos cantos da boca. Dei uma folga. Continuei a socar pra dentro. A baba espumante insistia em vazar pelos cantos e pingava no lençol da cama dos pais dela. Pingavam em tudo, enquanto eu enterrava pela garganta e ela ameaçando vomitar, “é isso o que quer?!”. Daí foi quando entendi os robôs explorando marte junto com os alienígenas tentando encontrar uma solução para a humanidade e a preocupação que ela tinha com os cabelos. Nada daquilo fazia sentido nenhum, porra! Quero dizer, as preocupações dela. Os satélites tentando captar qualquer tipo de informação do espaço, uma visita à lua que fosse, sabe-se lá, o sol já nos daria a qualidade de vida que hoje não temos com a extração do petróleo e os famintos na África, Oriente Médio e por toda a parte as divergências pulsam enquanto lá estão, Spirit e não sei das quantas tentando salvar a gente de toda a burrice do mundo já que se é certo a existência de água, daí eu vi: estrelas brilhantes flutuando no ambiente, as duas luas da janela se unindo para tomarem sua forma exata… e aquela franja! O caralho explodindo lá dentro do vulcão babão feito esponja cheia d’água e as dimensões tomando proporções maiores, fazendo-a engasgar, cuspir pra fora e… aquela franja. Aquela porra de franja. Aquela franja cheia de porra, tanto faz. Acabou. E então ela disse: era isso.

Fiquei trêmulo. Ela recostou-se, tranquila. No passo seguinte que despejei tudo o que se acumulara naquela franja, ouvi barulhos vindos da sala e instintivamente me pus em estado de alerta. Ouvi um grunhido, como se um animal estivesse sendo sacrificado lá fora. Foi realmente coincidência isso acontecer logo depois do término. Olhei pra cara dela, mas notei indiferença. Parecia nem ligar mais pra franja. No estado em que estava, poderia o mundo acabar que para ela não faria diferença. Talvez nem tivesse escutado nada, mas eu, claro, escutei. Fiquei tão apreensivo que sequer pude me mexer, ainda trêmulo, incapaz de reagir. De repente a porta do quarto em que estávamos se abriu num estrondo, como se a pessoa do lado de fora tivesse metido o pé para arrombá-la e, eu, que ainda nem sequer havia me dado ao trabalho de subir a bermuda, com aquele troço balançando pra fora, ora, o que eu ia fazer? Foi tudo muito rápido. Veio vindo na minha direção, ofegante, um rapaz que, na verdade, não tinha um físico muito mais avantajado, aliás, parecia um grilo voador, e eu sem saber o que fazer: se levantava a bermuda ou preparava o contragolpe, porém o fato era que eu não tinha tempo pra pensar em nada e como um corredor de marcha atlética que têm os pés presos ao chão (pela bermuda) arrastei-os a frente por dois lances indo de encontro ao grilo que também vinha à minha. Essa hora me fez lembrar aquelas lutas épicas dos cavaleiros medievais que saiam cada um de um lado com aquelas espadas e feliz daquele que acertasse primeiro. Eis que então cerrou o punho na minha direção, preparando o golpe: “minha namorada, seu filho da…”, esquivei, de modo que o soco varou o ar, e então eu dei… Foi um cruzado de direita que acertou a bochecha esquerda, lançando-o sobre o chão. Vitória. Devo dizer que em toda a minha vida, até então, eu não havia dado mais de dois ou três socos, não sou muito de briga, ocorre que o cara realmente não sabia o que tava fazendo. Olhei então novamente pra cara dela, que continuava a contemplar as estrelas:

“você tem namorado?”

Como que num desencanto, voltou o rosto a mim:

“ah, sim. eu tenho”

“pô, não tem respeito? não viu que a gente tava ocupado?”, de repente percebi o que estava dizendo, “aliás, você não tem respeito por ele, porra?!”

Voltou o rosto às estrelas, simplesmente, e ignorou a minha pergunta. Definitivamente, concluí, há algo errado com a humanidade. Vesti-me e voltei então à sala. Tive que driblar o moribundo, antes.

Encontrei o Capeta se levantando do chão, com um rasgo na testa onde o sangue escorria pelo rosto todo, e a garrafa de tequila espatifada em cacos pela sala.

“E aí?”, o Capeta

“suave”, expliquei

“vamos sair logo daqui!”

No mesmo dia chegaria em casa e encontraria o meu pai assistindo tevê na sala, e a minha mãe trancada no quarto. Ambos assistiam a mesma coisa, porém em ambientes diferentes. “Antenor, não me deixe!”… “Mas, Rebeca!”… “Não, Antenor, não!”… Meu pai é um bosta, pensei. Mas é claro que isso não faria diferença nenhuma pra ele, eu pensar ou deixar de pensar. Da mesma maneira que se alguém me disser que sou um bosta, também não fará diferença alguma. Exceto se eu pensar isso de mim mesmo.